quinta-feira, dezembro 25, 2008

domingo, dezembro 14, 2008

nut e geb



Francisnete é uma menina que pensa que um dia foi sereia. Como mora no sertão – e no sertão não tem mar – ela mergulha nas estrelas do céu.
Nunete é uma sereia que mora no sertão e mergulha nas estrelas do céu.
Nute é uma sereia que mergulha no céu
Nute mergulha no céu
Nut – céu


Gidelberto é um moço bonito, moreno cor de barro, que pegou uma verminose das runhes, destas moléstias que fazem o sujeito comer terra. Pra não desconfiarem, ele arrumou serviço de jardineiro e vive embelezando as plantas, dividindo a comida com elas.
Gelberto é um moreno cor de barro que vive embelezando a terra.
Gebinho é cor de barro embelezando a terra.
Gebinho embelezando a terra
Geb – terra

quinta-feira, outubro 23, 2008

my home

Esta é uma representação de Tadeusz Kantor, em Cracóvia, em 1987, três anos antes de sua morte. O título é homônimo ao post. Objetos sem gente, mas cheios de gente. Como um teatro bidimensional.

terça-feira, outubro 14, 2008

o cheio e o vazio


O mundo cheio de imagens vai gerando a morte das imagens: todas as impressões visuais são registradas assim, como meras informações. A qualidade, o valor e a presença do que é realmente icônico - do que importa nesta imagem enquanto signo - vão sendo percebidos cada vez em menores graus. Assim também acontece com as palavras, com as notícias dos jornais. Mallarmè desejou que os jornais publicassem os sonhos dos habitantes das cidades ao invés dos seus acontecimentos cotidianamente políticos. Eu também.

Não dou crédito à imagem, porque não sei de onde ela veio antes de chegar no meu arquivo

quinta-feira, outubro 09, 2008

peixe dourado


Le Clézio leva o Nobel literário do ano. E o prêmio também vai para os índios que o inspiraram aqui no nosso continente. Dele, lembro do "Peixe Dourado" . Penso-o, também, como um peixe dourado: louro, com sua elegância, nadando em Nice.

Le Clézio, pra você: graçapé, guaraçapema, piraiú, piraju, pirajuba, saijé e saipé.


Na ilustração: Matsya, o peixe, um avatar de Vishnu
Temple Sculpture at CR Park Kalibari, New Delhi

terça-feira, outubro 07, 2008

templum

O meu colégio eleitoral não é em Salvador. Portanto, no que diz respeito às eleições, não sou uma cidadã soteropolitana. Mas sou. A cidade vai para o segundo turno com tristes opções, mas é o que temos agora. E eu nem posso dizer que contribuo nesta desfaçatez. Mas dentro do mesmo assunto, fico sabendo que há uma petição contra o uso de leis de incentivo à Cultura para construção de templos religiosos (entenda-se igrejas evangélicas...). Abaixo o site para assinaturas dos interessados.

Se ao menos se soubesse que templo/templum era uma janela para se olhar os deuses, contemplá-los, enxergando além...




Eu de Cassandra, numa montagem de As troianas, há centenas de anos.



quarta-feira, agosto 06, 2008

sadomasoquista


Não, aqui não teremos revelações. Apenas que fui convidada para participar de uma antologia de textos com temática sadomasoquista, organizada pelos escritores Antônio Vicente Pietroforte e Glauco Mattoso. É o primeiro livrinho brasileiro com este perfil. Sairá pela Dix Editorial, da Annablume. E o meu conto é inédito, chama-se "Tia Carla". O lançamento será no fim do mês, dia 30, na Livraria da Vila, na Vila Madalena, em São Paulo.Apareçam! Somos muitos na coletânea, mortos e vivos maravilhosos. Confiram vocês mesmos:


José de Alencar
Machado de Assis
Valentim Magalhães
Cruz e Sousa
João do Rio
Augusto dos Anjos
Pedro Xisto
Wilma Azevedo
Glauco Mattoso
Delmo Montenegro
Claudio Daniel
Antonio Vicente Seraphim Pietroforte
Joca Reiners Terron
Marcelo Sahea
Virna Teixeira
Luiz Roberto Guedes
Horácio Costa
Del Candeias
Frederico Barbosa
Ana Rüsche
Dirceu Villa
Contador Borges
Marcelo Tápia
Luís Venegas
Ivana Arruda Leite
Leila Míccolis
Renata Belmonte
Flávia Rocha
Adelice Souza (aqui estou eu)
Leo Pinto
Ceguinho do Ceará
Victório Verdan
João Silvério Trevisan
Hugo Guimarães
Gustavo Vinagre
Ronaldo Bressane
Pedro Tostes
Marcelo Mirisola
Caco Pontes
Mário Bortolotto
Ademir Assunção
Marcelino Freire
Leandro Leite Leocadio
Berimba de Jesus

quinta-feira, julho 03, 2008

noh


Abrindo a programação do primeiro festival internacional de artes cênicas na bahia, tivemos o Noh. A trupe era da Escola Hosho. Neste momento em que o meu olhar se volta para as danças-teatros dos orientes, é importante, para mim, vê o Noh. E é bom que o Noh esteja na cidade que anda fria nestes tempos de julho. Mas confesso que eu saí de casa desejando algo diferente. O manto, de fato, seria de plumas, caso a pecinha fosse de Butoh.
Cerâmica chinesa, Dinastia Song do Norte, século XII, Museu Nacional de Arte Asiática (Guimet), Paris.

segunda-feira, junho 30, 2008

junina






- São João passou por aqui?
- Passou sim.
Houve forró, xote, baião, côco, canjica, milho assado, milho cozido, licor, luiz gonzaga, jackson do pandeiro, xilogravuras, cantadores, sivuca, balões, bandeirolas de chitão, roupas de fuxico,sanfonas e minduins. Neste mês, rezei trezena para Antônio, pulei fogueira para João e soltei fogos de artíficio para Pedro. E arquéólogos descobrem que antes de batizar no Jordão, o santo do carneirinho realizava os seus rituais com água em grutas próximas a Ein Karim. Nunca pensei neste santo como um andarilho diurno. Para mim, ele sempre veio acompanhado de noite, fogo, estrela, música, cordões luminosos. Este ano, não tive um mês dedicado às festas - como gosto - pois o teatro me solicitou num show de Maria Bethânia, Orquestra Sinfônica, Meninas de Arembepe e Armandinho. E entre uma noite e outras, viradas nos bastidores dos palcos, ouço "a cantora mais linda do mundo" soprar como quem reza para o seu santo sob o céu de santo amaro: "meu pai são joão batista é xangô / é dono do meu destino até o fim / se um dia me faltar, a fé no meu senhor / derrube esta pedreira sobre mim ".
- São João passou por aqui, sim senhor.



terça-feira, junho 03, 2008

antônio


Já começaram as trezenas do santo junino. E eu ainda não fui orar para este santinho que ora aparece com flores, pássaros, peixes, crianças e também o menino jesus. Na sala da casa de uma amiga devota, ele é grande, de madeira, e carrega uma menininha. Ela diz: "sou eu na infância, com franjinha no cabelo". Na cabeceira da cama desta mesma amiga, ele é um presente dado por mim, numa reprodução barroca emoldurada delicadamente em bronze.
E está lá, neste lugar especial, pelo carinho que temos uma com a outra. Ela quase nunca vem a esta casa da mãe joana, mas deixo aqui para ela esta imagem do santinho que escolhi para ter comigo, numa folhinha, enfeitando a minha cozinha enquanto me lembra alegremente do tempo que vai passando.
No Pelourinho, no teatro Sesc-Senac, dia 13, tem final de trezena e forró. Vou lá ofertar minha dancinha e fazer reza com a Camerata Popular do Recôncavo.

domingo, maio 25, 2008

destruindo um universo

Há milhões de coisinhas para se falar de Shiva. Aconteceu-me uma coisinha para falar de Shiva: viajando para uma cidade do interior, a estrada é bloqueada porque um caminhão incendiou. Uma noite inteira vendo a fumaça se espalhar como um perfume que vai aderindo aos poros, um sentimento que vai se extinguindo, uma música que vai se compartimentando em algum lugar dentro de nós. A dança sagrada do fogo é sagrada, mesmo quando queima um automóvel.

terça-feira, maio 13, 2008

reparação


Concluo a leitura do romance Atonement(2002), de Ian McEwan, que, por aqui, recebeu o título Reparação e ele é demasiadamente superior à produção cinematográfica baseada nele, o Atonement(2007), traduzido Desejo e Reparação.

Emociono-me com as reflexões sobre literatura. São as reflexões de sempre, de muitos, mas arrumadas da forma que estão - comigo arrumada da forma que estou - me levaram para um local realmente pertubador: que preço teremos que pagar, nós, que lidamos com arte, para continuar seguindo este caminho?


"Então a dramaturgia transformou-se numa urtiga, aliás numa série delas; a superficialidade, o tempo desperdiçado, a desorganização das outras mentes, a inutilidade do faz-de-conta - no jardim das artes, era uma erva daninha que devia morrer" p. 94, Reparação. SP, 2002. Cia das Letras.

segunda-feira, maio 12, 2008

dimenti




Gosto desta liberdade do blog. De passar um mês longe dele e retornar como se nada tivesse acontecido. E nada acontece mesmo. Por causa da liberdade do blog. E como há liberdade, mudo as regras: publico aqui um textinho meu de ficção dramatúrgica. E outra regra também muda: é um texto grande para o tamanho que eu achava que devia ter um texto num blog. Mas o tamanho é o tamanho que queremos, não é mesmo? Lá vai: Maldita Infecção é o título. Mas também poderia ser Colosso, até mais rodrigueano. E foi um dos pequenos textos que o Dimenti montou nos seus 10 anos de grupo, em homenagem a Nelson Rodrigues. Eu, Cláudia Barral, Elísio Lopes Jr, Fábio Rios, Kátia Borges e Paula Lice fomos os responsáveis pelos monologuitos. Esta peça fará parte do repertório do Dimenti e por isso poderá voltar a cartaz em junho, dezembro ou abril do ano vindouro. Parabéns, Dimenti, por completar 10 anos nesta bela estrada de pedras.
Na foto, o ator Fábio Osório Monteiro.
MALDITA INFECÇÃO, de Adelice Souza

Arandir é todo dia. Ela sussurra esta frase no meu ouvido e vai enfiando a língua no meu corpo, em tudo o quanto é canto onde chega a língua, coisa sensacional. Eu também sou todo dia. E melhor que Arandir porque é todo dia e ainda sou gostoso, faço gostoso. Todo dia e gostoso. E ainda faço uma gemada para ela todo dia de manhã e levo na cama com um sorriso. Ato ritual. De pedra e cal. Batata que não minto. E não acho piegas. Ela é uma figurinha difícil da bala Ruth, tenho que agradar, tratar no ponto. Sou um homem de outro tempo, desses que já não se encontra hoje em dia. Solto beijo para ela no ar, com mão e tudo na boca, solto beijo pra ela a cada vez que saio de um cômodo a outro na casa. Quando estou no quarto e vou ao banheiro, de costas eu sei que ela está olhando pra mim, aí saio, viro de frente, feito passo de tango, solto beijo como se uma rosa estivesse cravada nos meus dentes, uma pétala roçando o lábio. Sou um amante latino, um diabo da Fonseca. Ela me adora, ela me venera. E eu a ela. Por isso é todo dia. E às vezes mais de uma vez ao dia, às vezes madrugada, manhã, almoço, ah!café da manhã e merenda. E de tarde, de noite até na hora da canja de galinha. Quando ela precisou fazer exame de laboratório porque estava com umas dores nos rins, ficou em jejum. Como não podia tomar gemada, aí eu levei água na cama. Faço as vontades. Água misturada. Do filtro e gelada. Água linda. Neste dia gritou em dobro, fez até poesia: disse que o meu pau tocava flauta, um pau romântico, um pau digno de Orfeu. E depois ainda cantou pra mim uma música do Roberto Carlos. A pequena tem cada palavrório de encher a boca. Mas tem uma coisa que eu acho estranho. É uma coisa bonita, honesta, honestíssima, eu compreendo, mas que é estranho é: ela só faz comigo no escuro. É cheia de pudores para se mostrar, mas grita gostoso feito o diabo. Grita de tudo. Um dia desses me chamou de Lafaiete. Disse que enlouquecia com este nome. Parei no ato, não consegui continuar, dei pra trás. Mas aí ela disse que Lafaiete é um nome de homem que ela nem conhece, nunca conheceu, entende? Disse que nunca conheceu um Lafaiete, mas achava Lafaiete um nome bonito de homem, ficava alucinada. E como ficou ainda mais gostosa, eu nem me incomodei dela gritando sem parar o nome de Lafaiete. Sou um homem ciumento, se eu soubesse, se intuísse que ela tivesse mentindo, eu mataria. Nunca imaginei que fosse matar alguém por amor, mas por essa mulher eu mataria. Eu mataria um, dois, cem mil. Minha mulher de costas é a mulher mais gostosa do mundo. Um traseiro que é um fenômeno. Um colosso! Um colosso de Rodes. Uma epopéia. Pelo traseiro da minha mulher, eu mataria até o presidente da república. O presidente. Coisa que eu gosto na cama é mulher que grita e a minha grita mais do que todas. Por isso eu nem me importo dela não deixar que eu a veja nua. Acho que até prefiro. Mulher séria mesmo não fica nua na frente de qualquer um. Tudo bem que eu sou o marido, mas sou homem. Essa semana me perguntou se eu queria ter filhos. Eu disse que não fazia questão. Ela disse que era melhor assim, não ia modificar o corpo. Eu juro que eu pensei no colosso. Aceitei no ato. Me confessou: não ia ter coragem de abrir as pernas pro médico. Achei isso lindo. Mulher séria mesmo não tem filho. Por isso que todo mundo é filho da puta. Mulher séria não abre perna pra médico. Mulher séria pra chuchu, a minha.
Ela é a mulher da minha vida, doutor. Por isso eu sou como Arandir: todo dia. Nem de dentista ela gosta. Diz que uma boca aberta é meio ginecológica. Passa bicarbonato nos dentes pra clarear e chá de anis pro hálito. E nunca teve nem cárie. Uma boca de fazer inveja a qualquer grã-fina de aparelho: 32 dentes. Quando era criança tomava bezetacil. Tinha amídalas inchadas. Tem até hoje um inchaço no pescoço. Eu gosto. Tem uma saúde de ferro, minha mulher. Batata que não minto.
Mas essa semana se deu um episódio, um fato tristíssimo: minha mulher começou a sentir umas dores fortes nos rins. Pensei: é fraqueza. Comprei um biotônico. Mas a dor foi aumentando. Fomos para o ambulatório. Receitaram uma injeção, ela tomou. No braço, evidente! Não passou. Crise fenomenal. Chegou o plantonista e disse:
- Infecção urinária. Cálculo renal. Se não expelir a pedra, bota o cateter e tira. Coisa simples, nem precisa internar. Entra hoje no hospital e sai antes das 24 horas.
Ela ficou em desespero. Gritava, chorava, esperneava, mugia. Nunca vi minha mulher assim. E a dor piorava. Quando não agüentou mais, desmaiou. Levaram para a enfermaria e horas depois, chega o plantonista com uma cara de quem viu viúva tomando chicabom. Eu perguntei:
- E aí? Cálculo?
- Cálculo.
E emudeceu, ficou num silêncio desgraçado. Depois disse:
- Olha, o cálculo saiu, mas tua mulher, tua mulher... Tu sabe, não sabe? Tua mulher é homem, rapaz. Tua mulher é homem.
Maldita infecção. Eu bem que um dia ou outro desconfiei, mas não se fala uma coisa dessas, assim, na bucha, para um marido. Plantonista! Só podia ser plantonista. Plantonista é pior que contínuo. Que raça! Quis partir a cara do sujeitinho. Uma audácia falar assim da minha mulher. Uma mulher honesta, doutor, honestíssima. Toma banho de combinação. Bem que ela estava certa em não querer abrir perna pra médico. Maldita infecção. Tá bom, é homem, uma tragédia, eu sei. Uma tragédia nacional! Mas não me importo, doutor. Ela grita gostoso feito o diabo. E uma coisa eu posso afirmar: não troco a minha mulher por nenhuma outra no mundo. Podem dizer o que quiserem, mas da Ribeira até Itapuã, ninguém grita como minha mulher.

sexta-feira, março 14, 2008

casa


Gosto de ter nascido em Castro Alves. Gosto de ter morado a infância quase inteira numa linda casa numa rua que era apelidada de rua do banheiro, mas que se chamava Hilarino Couto, nome que dias destes fiquei sabendo ser de um homem que escrevia peças de teatro ou promovia encontros de espetáculos. Algo assim numa biografia que já está se perdendo...
Hoje, dia 14, comemorando o aniversário do poeta homônimo, a cidade fará festa: haverá a fundação de uma Academia de Letras e Artes. Convidaram-me a fazer parte e eu aceitei o gracejo. Ocuparei a cadeira 14, e escolhi Hilarino Couto para patrono. Meus dois avôs chamavam-se Laurentino e Altino. Bem que Hilarino, com este nome tão feliz, poderia ser o terceiro irmão dos dois.
Assistindo Nelson Rodrigues na morada do blog de um amigo, ouço-o falar de eternidade. E tenho, nos últimos tempos, tentado compreender a questão da eternidade. A eternidade como libertação para o espírito que sempre seguirá. Mas ainda estou em passos de bebê, tropeçando.
Entro devagarinho nesta nova casinha, o Casarão de Castro Alves, em frente a uma praça que fica em frente a uma igreja. E, aos poucos, desapego-me da minha querida casa na rua da infância, despeço-me da minha adorada casa na rua da infância, transferindo esta afetividade para o Hilarino Couto, que recebe esta minha pequenina homenagem. Que ele, em sua eternidade, também me projeta e me acolha bem nesta nova casa.

quarta-feira, fevereiro 27, 2008

vestidos de vento


Há diversas explicações para o OM, todas muitíssimo belas. Aprecio muito a interpretação da Nadabindu Upanisad, que apresenta uma personificação mítica da palavra OM, imaginada como um pássaro, cuja asa direita seria a letra A, a esquerda a letra U e a cauda, a M. Gosto de imaginar a longa cauda do fonema e o som se propagando continuamente. Num estado profundo de meditação, um yogin pode chegar ao ponto de não ouvir mais nenhum som. Por enquanto,esforço-me para ouvir os sons sutis do universo. Mas quando ouço o OM dentro de mim, ainda são tempestades, cascata e ventanias. Talvez chegue o tempo das flautas, da vina, do sussurro das abelhas. E quem sabe, um dia, o silêncio...

segunda-feira, fevereiro 18, 2008

cédula?


Esta é a imagem da cédula das eleições gerais do Paquistão. Na sequência, a pessoa eleita deveria olhar bem a cédula, meditar sobre a cédula e manter-se como a cédula: divertida, leve e séria. Como desenho e brincadeira de criança.

sexta-feira, fevereiro 08, 2008

exaustão


Eu trabalhava numa ong que foi fraudada por funcionários cínicos e corruptos.
Dezenas de jovens artistas talvez perderam suas únicas oportunidades de caminhar na arte. Repouso numa cidade suja que, depois do carnaval, os buracos nos alfaltos e o odor de urina causam infinitos danos ao pneuma dos carros e ao meu nariz e ao meu pulmão. Moro num país onde os noticiários revelam escândalos diários com políticos que nem trazem a vergonha como punição. Deliberadamente promulgam leis que alteram a ordem física e climática da cidade, utilizam-se descaradamente de dinheiro público através de cartões corporativos e depois de amanhã ninguém sabe o que será. Mas alguma coisa infelizmente haverá de ser. Um simples café expresso mataria a fome de uma semana de uma criança em Gana. Mas continuamos a beber os cafés expressos e as crianças africanas permanecem na míngua. Uma exaustão. A foto premiada no World Press Photo, de Tim Hetherington, expondo o cansaço de um soldado americano dentro de uma trincheira no Afeganistão não traduz a exaustão de um mundo, traduz a exaustão de uma nação. A minha guerra é uma outra guerra, a minha exaustão é outra. Mas eu e o soldado vivemos neste mesmo mundo.

quarta-feira, fevereiro 06, 2008

para um amado senhor

Em período pós-carnavalesco,um pouco de Hilda Hilst, uma poetisa dionisíaca que habitou uma apolínea Casa do Sol:

Trovas de muito amor para um amado senhor

Nave
Ave
Moinho
E tudo mais serei
Para que seja leve
Meu passo
Em vosso caminho.
(I)

* * *

Dizeis que tenho vaidades.
E que no vosso entender
Mulheres de pouca idade
Que não se queiram perder
É preciso que não tenham
Tantas e tais veleidades.

Senhor, se a mim me acrescento
Flores e renda, cetins,
Se solto o cabelo ao vento
É bem por vós, não por mim.

Tenho dois olhos contentes
E a boca fresca e rosada.
E a vaidade só consente
Vaidades, se desejada.

E além de vós
Não desejo nada.
(XIII)

sábado, fevereiro 02, 2008

um ano



Estou em outra casa, minha mãe.
Sim, dentro e fora de ti!
Outra igreja,
uma árvore no quintal.
E o teu banho nas minhas águas...

quinta-feira, janeiro 31, 2008

linho

Mãe, estes teu fios não são daninhos
Eles também são meus:
Meus filhinhos.


Paulo Autran, em A tempestade

quinta-feira, janeiro 24, 2008

o tecido de uma saia

Em Laozi, vou estando em casa:
"sem sair da morada, conhece-se o mundo
por isso o homem santo não anda... e conhece
não vê... e nomeia".

segunda-feira, janeiro 14, 2008

um rio santo

Carranca do São Francisco
Ocorre-me agora falar das portas. Fiquei por este tempo dentro de um lugar com portas. As portas estavam fechadas, mas eu estava dentro: as portas estavam fechadas para os outros, não para mim. Um rio não tem portas, por isso ele é de todos que o desejem. O rio é meu. E me desagrada que queiram inventar portas para o rio. Nas minhas costas, também deita um rio. Ele é caudaloso e brilhante, da nascente à sua foz. Às vezes, ele parece ter portas, mas é só uma impressão, pois o seu curso ora é livre, ora intermitente. Por causa dele, escrevo. Para entender os seus afluentes. Por causa dele, faço teatro. Para imaginar até onde ele se estende.