terça-feira, fevereiro 27, 2007

filhote de Ganesh

Há elefantes de vários tipos. Este é de pedra. Ou antes: de papel. Ou mais: de luz, da poeira dos átomos. Mas também há os de vidro, os de cal. E também os mais comuns, de pele e ossos e presas de marfim desejadas pelos caçadores e pelos poetas. Os elefantes gostam de se balançar para um lado e para o outro. Assim, vão atingindo uma calma. Sabe-se lá o que deu naquele outro, em Sri Lanka, para avançar com fúria num automóvel...

domingo, fevereiro 25, 2007

cura







Eu vim. Está escuro, eu sei.
Mas eu quero ser tua por uns dias.
Não reconheço esta estação, nem esse cabelo, essa voz
Tudo é estranho e é assim que eu desejo
Ser tua por uns dias
Depois voltarei ao chão, ao barro batido na estrada fria
Mas vim para ser tua por uns dias
Se tu quiseres.
Pois nada sei de ti, um eco, um vôo, nada mais.
E talvez por isso mesmo
Eu queira ser tua por uns dias.
Para ver o íntimo do gelo
Sendo tua.
Ter a tua glória, tua graça, teu dedo.
E ser tua, sempre, mesmo partindo.
E deixar em teu sangue o meu verão.

sexta-feira, fevereiro 23, 2007

na casa dos trinta

Safo, por Charles-August Mengin- 1877



Na casa dos trinta...Cristo morreu crucificado, katherine Mansfield tuberculosa, Sylvia Plath e Florbela Espanca com o suicídio.
Na casa dos trinta...Kafka nos legou O processo, Balzac eternizou uma personagem, Rulfo trouxe Pedro Páramo, Buda atingiu o nirvana, nasceu a Madame Bovary em Flaubert, Shakespeare investigou o "ser ou não ser" através do seu Hamlet, o mestre Guimarães Rosa já vasculhava o sertão com Sagarana, Camus fez Calígula, o Hiperion reluziu de Holderlin, As flores do mal brotaram de Baudelaire, sir Scott colocou sua dama no lago e Proust iniciou sua odisséia em busca do tempo perdido.
Na casa dos trinta... Vários nem encontraram a chave para abrir a porta: Castro Alves, Alfred Jarry, Shelley, Álvares de Azevedo, Anne Frank, Sarah Kane, Noel Rosa, Büchner, Thomas Chatterton, Tutankamon...
Na casa dos trinta... Lorca despediu-se das casas terrenas com A casa de Bernarda Alba, morada de lindas mulheres com menos e mais de trinta.
Na casa dos trinta... Mulheres nascem e morrem, moças sorriem, velhas choram seus prantos e meninas estendem a mão.
Na casa dos trinta...Também estou eu. E estão mãe joana e outras anas, cíntias, cássias, clarissas, cibeles, reginas, fabíolas, vanessas, adrianas, nadjas...e agora karina. Seja bem-vinda!

quarta-feira, fevereiro 21, 2007

cinzas


Hoje é o começo da quaresma. Tempo de arrependimento e de reflexão para os cristãos. Dia também de término do prazo para o Irã inibir o enriquecimento nuclear. Dia de cinzas. E penso nas cores do Kurosawa nos episódios de Sonhos, as fumaças cinzas e coloridas da radiação nuclear. O sensível japonês usa as cores como realidades sensoriais e elas falam por si, despertam sentimentos, provocam bons tumultos aos sentidos. Penso em Chernobyl, em Nagazaki,penso no Cesio 137 de Goiânia e nas crianças que brincaram com luz e ficaram azuis. Penso como as mesmas cores podem ser boas e más, como tudo que existe no mundo. Mas não gosto do jejum e nem das possíveis cinzas do Irã. Fico eternamente com a nostalgia colorida do carnaval.

domingo, fevereiro 18, 2007

sábado, fevereiro 17, 2007

quarta-feira, fevereiro 14, 2007

acordes para o folião


Hoje faz dois meses que Sivuca se foi. E eu ainda ouço o lamento do acordeon.
Há dois meses Sivuca ficou entre nós apenas com sua música.
Sivuca é carnaval com sua feira de mangaio, Sivuca é quarta-feira de cinzas com o seu cabelo de milho.
Ele é frevo sanfonado, forró chorado.
Para Sivuca, até a abstinência de carne na Quaresma.
Sem Sivuca, o mundo fica mais solitário, mais invernoso.
Pois Sivuca é festejo, baile, desfile, folguedo.
Sem máscara, consegue ser fantasia e folia.
Eu elegeria Sivuca como o meu Rei Momo e lhe entregaria todas as chaves da minha cidade para ouvir a sua sanfona dias e dias inteirinhos.
Por Sivuca, eu iria feliz, a pé, de joelhos até, atrás do trio elétrico

terça-feira, fevereiro 13, 2007

dodes'ka-den



Uma vez visitei um cemitério de trens. E é de uma tristeza apavorante. Trilhos e trilhos de história inutilizada. Sinto falta dos trens na minha vida. Dos sons, da estação primeira que eu conheci e que já era, naquela época, uma ruína. Um amigo escritor, Mayrant Gallo, no seu livro Dizer adeus, cita o meu nome num poema sobre trens. Um poema que encerra o livro e eu entro no vagão. E ainda há o trenzinho caipira do Villa lobos. E o trem de ferro que quando vem de Pernambuco vai fazendo fuco fuco até chegar no Ceará. E o trem do Manoel Bandeira com o seu café-com-pão, café-com-pão. Tudo ali também é música. Ai, que vontade de cantar. E o Tren a las nubes, que negou o seu passeio para mim. E os inúmeros trens fantasmas que me arrepiaram mais do que os atores que fizeram o pai do Hamlet. E o trem do Zé Olímpio, guardado numa caixa, para quando o seu neto nascer (porque menina catarina gosta mesmo é de boneca e lagartixa...).

Ai, os caminhos dos trens... Um trem é uma ciranda.

segunda-feira, fevereiro 12, 2007

joão e maria

João era um menino de seis anos que, preso num cinto de segurança, do lado de fora do carro, foi arrastado 7 km por assaltantes nas ruas do Rio de Janeiro.
Maria era uma menina de sete anos que, vestida com uma fantasia de boneca, ia para uma festinha na escola, quando foi morta por uma bala perdida de uma briga na favela do Rio de Janeiro.
Da barbárie, ficam a dor, a impunidade e o meu medo. E uma pequena, pequeníssima possibilidade de mudanças na legislação na cidade maravilhosa, cheia de encantos mil, cidade maravilhosa, coração do meu Brasil.

artistas da fome II


Não consigo viver sem paixão, por isso a carne pulsando com o sangue, por isso o bife mal passado. Não compreendo a fotossíntese, os herbívoros, os vegetarianos.

domingo, fevereiro 11, 2007

artistas da fome


As belas comem menos
As santas comem menos
Um creme de amendoim coberto com castanha crocante caramelada
E eu fui ao paraíso
Santa Catariana de Sena(1347-1380), uma jejuadora.

sábado, fevereiro 10, 2007

me nina, menina!

Acontecem festejos na cidade para uma menininha do gantois, filha de oxum e mãe de santo amada pelas gentes e pelos rios e pelas pedras.
São cantos, danças, palestras, lançamentos de livro, selo, comemorações de aniversários e o início de um ciclo de cerimônias fúnebres.

Eu, que também gosto dos rios e dos espelhos e dos outros espelhos e balanços que as águas dos rios e dos mares fazem, peço emprestada esta canção para oferecer como um axé a Maria Escolástica da Conceição Nazaré:

"Embala eu, embala eu, Menininha do Gantois, embala pra lá, embala pra cá, Menininha do Gantois, e tira os olhos grandes de cima de mim pras ondas do mar"


foto: david glat


sexta-feira, fevereiro 09, 2007

quase-fábula do aquecimento

Amazonas são mulheres guerreiras que mergulham em lagos de lua e carregam no pescoço amuletos de jade em formatos de anfíbios.
Amazonas também é um lugarzinho onde os meus ancestrais se prostituem por um pacote de biscoitos perto de uma floresta linda, um pequeno Éden feito de terra, água,ar e ocasionalmente fogo.
Neste lugarzinho, o sol aparece todos os dias para o café-da-manhã. Porém, ao entrar, meus senhores, muita cautela e educação: lavem as mãos, banhem os corpos, mas não liberem maus odores, pois o sol vira uma fera.

quinta-feira, fevereiro 08, 2007

para fábio vidal




...que está em cartaz na cidade com Velôsidade...


Uma pequena participação especial ficcional virtual:

[Nos meus primeiros indícios de adolescência, eu tinha um sonho erótico com Caetano Veloso: fazíamos sexo e amor até mais tarde em cima de uma lápide do cemitério da minha cidade do interior ao som do auto-falante que cantava Não identificado com a voz do santo amarense... "eu vou fazer uma canção pra ela/ uma canção singela, brasileira/ para lançar depois do carnaval /minha canção há de brilhar na noite/ no céu de uma cidade do interior/ eu vou fazer uma canção de amor/ para tocar num disco voador..." e quando ele dizia brasileira, é verdade, eu juro, dava uma sensação física sexual qualquer de patriotismo e eu ia conhecendo os meus primeiros pontos do alfabeto íntimo: gemidos, gritos, gozo. Caetano foi o meu primeiro tesão, sonho, delírio, masturbação, sentimento de pertencimento à baía e ao recôncavo, do litoral ao interior. Acordada, eu o ouvia e lia e sorria e sonhava outras coisas. Tanto, que num dos meus únicos excessos de álcool da vida, voei de asa-delta e quando desci, caminhei contra o vento feito uma louca, quase bêbada, debaixo de um sol quente, moleton cobrindo os braços e as pernas nuas correndo pelas areias de busca-vida. Um amigo fez um registro disso e um pombo-correio levou para a ave canora. Caetano, eu sei que eu não preciso perguntar se foi bom pra você.]

quarta-feira, fevereiro 07, 2007

segunda-feira, fevereiro 05, 2007

visão narcísica


Uma deusa! - diriam.

E eu digo: linda, perfeita, irretocável.

Mas será que a mecha caída na fronte não
está a esconder uma pálpebra levemente adoentada?

domingo, fevereiro 04, 2007

sabores


Último dia para ver a foto-instalação Torta Xadrez II, do fotógrafo David Glat. Está exposta no Mam (Solar do Unhão, Avenida Contorno). Não deixo aqui um registro para que vocês não deixem de desgustar um pedaço da torta lá no museu.


Mas deixo outro sabor: "O cego", do mesmo fotógrafo. E vem com a sanfona, este meu instrumento favorito, que respira música pelo fole, o seu coração.

freud



Tive um professor que matou o pai.

Era um filósofo, um esteta. Um homem educado, inteligente. E matou o pai.

Na época tentei entender a sua causa, e acho que compreendi.

Mas me causou um enorme desconcerto vê-lo ontem, em liberdade, ao meu lado, na fila do cinema.

sábado, fevereiro 03, 2007

uai


Hoje, no caderno Pensar do Jornal Estado de Minas, uma entrevista comigo feita pelo escritor Carlos Herculano Lopes.

Do Carlos Herculano, em O vestido: "...e se às vezes voltam, em frias noites de insônia, são somente sombras, e nada mais."

Vestido elétrico, de Atzuko Tanka

sexta-feira, fevereiro 02, 2007

odoyá


Do mar do rio vermelho vem a brisa com o cheiro de rosas brancas. Ou será o hálito de Iemanjá soprando no meu ouvido: "nada, nada!" ?

dona iemanjá




Casa da mãe joana é uma morada de coisinhas variadas que se inicia hoje, no dia 02 de fevereiro de 2007, dia de Iemanjá. E as portas da casa estão abertas a todo querer. A imagem ao lado repousa em Copenhague. E é uma homenagem a Hans Christian Andersen e à sua Pequena Sereia. Conta o conto: uma pequena sereia, apaixonada por um homem mortal, recorre uma bruxa para que possa assumir uma forma humana e assim se aproximar de seu amado. No processo acaba abrindo mão de sua imortalidade e perdendo a capacidade de falar. Para que o encantamento se tornasse permanente, a pequena sereia, haveria de conquistar o amor de seu escolhido. Caso contrário haveria de se transformar em espuma do mar, algo mais terrível que a própria morte, uma vez que sereias não tem alma, não podendo assim morrer.
A sereiazinha acaba falhando em seu propósito. Comovida com sua situação, suas irmãs fazem um trato com a bruxa do mar. Em troca de suas belas cabeleiras, a bruxa lhes dá uma faca, com a qual a pequena sereia deveria matar seu amado. Desta forma, estaria livre de seu triste fim. Entretanto, ela, em nome do amor, abdica da própria existência e ao fim desaparece nas águas em forma de espuma do mar.