terça-feira, março 23, 2010

guimarães rosa: escritor e vaqueiro

Por parte de pai, sou a neta mais velha de uma família muito numerosa. Certa feita, uma velhinha me abordou emocionada no meio da feira para dizer que eu era idêntica a uma amiga dela de infância. Perguntando o nome do meu pai, ela se emocionou mais ainda porque eu era realmente parente da amiga dela, a Isabel, minha bisavó paterna. Deste lado familiar de origem, veio toda a minha andança nas roças, nos pastos de gado, nos pés de fruta, nas montarias a cavalo. Isso foi se perdendo quando o avó e o avô se mudaram para a cidade. Hoje, parte desta minha herança preciosa se vai com a morte da minha última avó. O seu timbre de voz, seu fogão de fumeiro, seu pote d'água. Mas temos ainda Guimarães, não é? que será eternamente nosso, basta abrirmos uma página. E abro. E um bonito escritor diplomata médico imortal quase nobel e vaqueiro aparece na minha frente, dizendo que nada morreu, que tudo está comigo e estará para sempre. Neste ínterim, recebo a notícia que, na II Conferência Nacional de Cultura, oficializaram no país a profissão de vaqueiro. Só me dá uma alegria ter nascido na minha família, ter um nome que vem do cego Aderaldo, violeiro cantador do sertão, e morar neste lugar e falar esta língua.

sábado, março 13, 2010

dengue


Chovia a cântaros e os sapos cantarolavam nos pântanos e no terreno baldio junto a casa, numa serenata confusa. Um mosquito sofrendo por não saber cantar, afastou-se da sua nuvem e encontrando uma fresta no telhado da casa, adentrou em busca de abrigo. Viu um clarão e se aproximou. Na frente do clarão, uma moça mexia os dedos inquieta e os olhos grudados na luminosidade não observaram as pequenas pedras preciosas fincadas na asa do inseto, como pontos estelares, parte brilhante do seu veneno.
O mosquito, apreensivo e com medo, pensou que a moça também padecesse do seu mesmo mal: uma distância qualquer de tudo que importa. Apressadamente, quis remover a causa da dor, encostando-se levemente em seu peito, num beijo tortuoso.
A moça agora anda prostrada e tudo é lento: movimento, alento, pensamento.
Só uma pergunta permanece veloz no seu delírio: por onde andará o mosquito?

segunda-feira, março 08, 2010

hamsa




Acho mesmo uma verdadeira bobagem mulher ter um dia internacional. Mas pela ocasião da festa do Oscar e da melhor coisa do prêmio, que são os vestidos, não posso deixar de lembrar um dos mais incríveis de todos os tempos, o da Björk, em 2001, de cisne. A cantora era uma deusa pop, montada em seu veículo e a deslizar no tapete vermelho pondo ovos. The oscar goes to Sarasvatī.