quinta-feira, março 29, 2007

fronte

Mãe, tuas rugas não são daninhas
E nem estão sozinhas.
Elas também são minhas, são minhas.

terça-feira, março 27, 2007

tem circo, sim senhor!


Piolin faria 110 anos hoje se estivesse vivo (não estará?).
Canjiquinha, meu clown que adormece dentro de uma mala, deixa aqui um beijo de palhaço daqueles bem barulhentos.

evoé, affonso!


Hoje é dia do teatro, mas não há muito a celebrar, pois o teatro não anda muito bem das pernas por aqui. Vai quebrando as pernas, vai remendando as pernas, como se as pernas fossem de vidro, como se as pernas fossem de pano. Não há carne, nem osso nem músculo nem sangue. Só articulações emendadas com parafusos. Ou são as coisas que eu tenho visto que já não me emocionam.

Mas vem sendo diferente com a música, com o cinema, com a poesia... por isso neste dia do teatro de 2007 há algo muito grande para comemorar: Afonso Romano de Santanna, seus setenta anos de poesia e suas belas palavras soltas no mundo.
Evoé, Affonso!



”Debaixo de minha escrita
há sangue em lugar de tinta
-e alguém calado que grita.”

(De O duplo, ARS)

domingo, março 25, 2007

naïf


A figura acima é Le couaggaby, de Aloys Zötl, feita em 1882. Eu tenho verdadeira adoração por arte naïf. O ingênuo e o primitivo me seduzem. Conheci Zötl, este naïf austríaco, através de Cortazar, que a pedido do italiano Franco Ricci, fez um texto a partir de gravuras dele. Este cavalo-zebra poderia muito bem ilustrar A casa tomada, de Cortazar. Este mistério pueril, este jogo secreto que é a escrita de Cortazar.
E escrevendo agora, por acaso(?) me lembro de uma comemoração que fiz parte quando era criança e onde havia adultos vestidos de bichos para animar a festa. As roupas eram belíssimas, feitas de veludo e pelúcia. Mas eu achei, na ocasião, todos os outros animais silvestres e domésticos feios ou apavorantes e me mantive o tempo todo perto da zebra, a fantasia menos popular da festa, que apenas atraíu a mim e a um outro garotinho.

segunda-feira, março 19, 2007

uma escolha


O monge podia escolher apenas uma fruta para o seu desjejum. O monge olhava as frutas: havia banana, tangerina, maçã, abacaxi, melão, mamão e melancia. Era um monge dos trópicos e tinha fome, mas não sabia qual fruta escolher: todas lhe pareciam apetitosas, mas nenhuma delas, isoladamente, satisfazia plenamente o monge. Então o mestre lhe disse: escolha a fruta mais difícil, assim lhe parecerá que ela possui o sabor da romã, que não há. E, desta forma, poderá até fazer bem ao coração.

quarta-feira, março 14, 2007

um romântico


Hoje, na minha cidade, Castro Alves, é dia de festa e poesia. As barraquinhas na rua lembram uma quermesse e entre uma guloseima e um licor, há versinhos. Mas também há teatro: o ator Marcos Machado e o seu espetáculo Românticos.
Castro Alves, o poeta, amou uma atriz portuguesa, Eugênia Câmara. E antes dela e depois dela, também amou o teatro. Marcos, no seu monólogo, brinca com estes dois personagens, ora sendo a atriz, ora fazendo o poeta.
Também estou em Castro Alves com os meus livros. E mais perto do poeta. E mais perto do ator.
Encontro por aqui apenas esta imagem do Marcos Machado. Nela também há teatro e literatura: em outro palco, num lançamento meu, ele me ofertava sua interpretação de Fernando Pessoa.
Deixo aqui um trechinho de Castro Alves dedicado à Eugênia Câmara. Foi feito no dia seguinte ao de uma vaia sofrida por ela no Teatro Santa Isabel, no Recife.

“Tu és tão grande como é grande o gênio
És tão brilhante como a própria luz,
Dentre os infames do calvário d'arte,
Tu foste o Cristo, foi o palco a cruz! ...”

sexta-feira, março 09, 2007

bonsai


Isto é um bonsai: é bonito e nem precisa entender pra saber...
(vejo-o, ele cheira á pitanga...e vou ouvindo Mio Matsuda cantando a minha bahia em japonês)

pelé disse love love love


Não entendo de futebol e talvez por isso mesmo, não goste. Saio perdendo. Quem sabe ele não tem lá a sua poesia...
Nelson Rodrigues dizia que uma boa partida de futebol valia mais que toda a obra de Shakespeare. Tá bom, Nelson, não vou concordar, mas fico no gol número 1000 do Pelé e o placar que, na hora h, trocou os números pelas letras da palavra amor. Em inglês. Que não é tão bonita quanto a nossa - perdão, Shakespeare - mas é bem redondinha, como uma bola no campo.
E foi assim que Pelé disse love. E é assim que mãe joana agradece à visita número 1000 nesta casa.

quinta-feira, março 08, 2007

poesia é coisa de mulher

Houve aqui em Salvador um espetáculo com este título, escrito em 1998 por Claudius Portugal. Uma brincadeira de um poeta e homem que colocava a mulher no centro do ato poético e cênico.
Abaixo, o trecho IV, de Do desejo, de Hilda Hilst, uma mulher e poeta que também escreveu para aquém e além destas coisas femininas.

Venus with a Bird on her Shoulder
De Márcio Melo


"Se eu disser que vi um pássaro

Sobre o teu sexo, deverias crer?
E se não for verdade, em nada mudará o Universo.
Se eu disser que o desejo é Eternidade
Porque o instante arde interminável
Deverias crer? E se não for verdade
Tantos o disseram que talvez possa ser.
No desejo nos vêm sofomanias, adornos
Impudência, pejo. E agora digo que há um pássaro
Voando sobre o Tejo. Por que não posso
Pontilhar de inocência e poesia
Ossos, sangue, carne, o agora
E tudo isso em nós que se fará disforme?"

segunda-feira, março 05, 2007

pour faire le portrait d'un oiseau


Para pintar o retrato de um pássaro. De Jacques Prévert para Elsa Henriquez:

Primeiro pintar uma gaiola
com a porta aberta
pintar depois
algo de lindo
algo de simples
algo de belo
algo de útil
para o pássaro
depois dependurar a tela numa árvore
num jardim
num bosque
ou numa floresta
esconder-se atrás da árvore
sem nada dizer
sem se mexer...
Ás vezes o pássaro chega logo
mas pode ser também que leve muitos anos
para se decidir
Não perder a esperança
esperar
esperar se preciso durante anos
a pressa ou a lentidão da chegada do pássaro
nada tendo a ver
com o sucesso do quadro
Quando o pássaro chegar
se chegar
guardar o mais profundo silêncio
esperar que o pássaro entre na gaiola
e quando já estiver lá dentro
fechar lentamente a porta com o pincel
depois
apagar uma a uma todas as grades
tendo o cuidado de não tocar numa única pena do pássaro
Fazer depois o desenho na árvore
escolhendo o mais belo galho
para o pássaro
pintar também a folhagem verde e a frescura do vento
a poeira do sol
e o barulho dos insetos pelo capim no calor do verão
e depois esperar que o pássaro queira cantar
Se o pássaro não cantar
mau sinal
sinal de que o quadro é ruim
mas se cantar bom sinal
sinal de que pode assiná-lo
Então você arranca delicademente
uma das penas do pássaro
e escreve seu nome num canto do quadro.

sábado, março 03, 2007

razões adicionais para os poetas mentirem


Do maravilhoso O naufráfio do Titanic,
de Hans Magnus Enzensberg

"Porque o instante
em que a palavra feliz
é pronunciada
nunca é o instante da felicidade.
Porque o sedento
não dá voz à sua sede.
Porque o proletariado é uma palavra
que não vem aos lábios do proletariado.
Porque quem desespera
não tem vontade de dizer:
"Sou um desesperado".
Porque o orgasmo e orgasmo
não são compatíveis entre si.
Porque o moribundo, em vez de declarar:
"Estou morrendo",
emite apenas um débis estertor
que não chegamos a compreender.
Porque são os vivos
que enchem a cabeça dos mortos
com suas notícias aterradoras.
Porque as palavras chegam tarde demais
ou cedo demais.
Porque é portanto um outro,
sempre um outro,
que tem a fala,
e porque aquele
de quem se fala,
cala."

sexta-feira, março 02, 2007

maninha

E nem é poesia, é canção. Mas é Chico Buarque. E então...


Se lembra da fogueira
Se lembra dos balões
Se lembra dos luares dos sertões
A roupa no varal,
feriado nacional
E as estrelas salpicadas nas canções
Se lembra quando toda modinha
Falava de amor
pois nunca mais cantei, oh maninha
Depois que ele chegou


Se lembra da jaqueira
A fruta no capim
Dos sonhos que você contou pra mim
Os passos no porão, lembra da assombração
E das almas com perfume de jasmim
Se lembra do jardim, oh maninha
Coberto de flor
Pois hoje só dá erva daninha
No chão que ele pisou


Se lembra do futuro
Que a gente combinou
Eu era tão criança e ainda sou
Querendo acreditar que o dia vai raiar
Só porque uma cantiga anunciou
Mas não me deixe assim, tão sozinha
A me torturar
Que um dia ele vai embora, maninha
Pra nunca mais voltar...

quinta-feira, março 01, 2007

efemérides



Um pouco de poesia neste início de março. E sigo com ela até o dia 14, em homenagem aos festejos de 160 anos de nascimento de Castro Alves, este poeta que deu nome à minha cidade.
De Lorca, em 10 de novembro de 1919:


SI MI MANOS PUDIERAN DESHOJAR

Yo pronuncio tu nombre
en las noches oscuras,
cuando vienen los astros
a beber en la luna
y duermen los ramajes
de las frondas ocultas.
Y yo me siento hueco
de pasión y de música.
Loco reloj que canta
muertas horas antiguas.


Yo pronuncio tu nombre,
en esta noche oscura,
y tu nombre me suena
más lejano que nunca.
Más lejano que todas las estrellas
y más doliente que la mansa lluvia.


¿Te querré como entonces
alguna vez? ¿Qué culpa
tiene mi corazón?
Si la niebla se esfuma,
¿qué otra pasión me espera?
¿Será tranquila y pura?¡
¡Si mis dedos pudieran deshojar a la luna!!