domingo, agosto 15, 2010

o que não se come


Das coisas que se aprende e que não se aprende: Dias desses uma amiga me disse que a palavra companheiro vem das palavras ‘cum’ e ‘panis’, significando ‘aquele com quem dividimos o pão’. Vivi durante muitos anos com um homem maravilhoso, mas que não tomava café da manhã comigo. Porque não gostava de comer tão cedo, porque gostava de acordar tarde. Embora soubesse que a refeição matutina era a minha favorita. Era companheiro em infinitas coisas, contudo não fabricava este sentido etimológico. Uma coisa tão pequena, tão simples, meu Deus, e talvez tenha sido por isso que um grande amor não sobreviveu. As palavras. Por outro lado, seria capaz de amar por muitos anos um homem que apenas troca comigo umas poucas palavras, mesmo sem a divisão do pão. Que coisa tão complexa, meu Deus, tão complexa. E quando se tem o pão, a companhia e as palavras todos os dias, ainda se quer uma dança acompanhando o fritar dos ovos, um suco de laranja com um largo sorriso. Hoje comi o meu pão sozinha, coisa inédita nesses últimos tempos que tenho um companheiro com quem divido o pão, o beiju, a pamonha, a banana, o lelê. A solidão serviu-me para que eu percebesse que Deus estava comigo, sentado à mesa, sorrindo ao meu lado. E para além da sua companhia, pedi-lhe o pão, a dança,as palavras, os ovos, a laranja, o sorriso e as infinitas coisas. E ele disse que se eu já tinha Deus, não podia mais pedir o impossível. Mas, Deus, é tudo assim simples e complexo: o que eu quero é exatamente o impossível.